Li
no Público de 7 de Outubro que «voltou a ser impossível comparar atrasos da
Justiça Portuguesa com o resto da Europa», porque no ano de 2014 o Ministério
da Justiça não dispunha dos dados (!).
O
mesmo artigo referia que o Ministério da Justiça «não tem por práctica» apurar
as estatísticas dos Tribunais Administrativos.
Ainda
bem que não tem, porque se tivesse e também tivesse consciência, não dormia.
Se
não há estatísticas, há experiência empírica dos tempos de tramitação dos
processos nos Tribunais Administrativos e essa é trágica: é comum nesses
Tribunais a tramitação na 1ª instância demorar 6, 8, 10, 12 e mais anos, para
ser produzida normalmente uma sentença vergonhosa, que envergonharia qualquer
Juiz dos Tribunais Cíveis ou Criminais, e isto sem que por norma haja qualquer
forma de instrução ou apuramento da matéria de facto, e quando há… era melhor
não haver!
Obviamente
que tudo tem excepções e que há nos Tribunais Administrativos Juízes com
qualidade e sabedoria; são é a excepção que confirma a triste regra.
Até
há uns poucos anos atrás havia pelo menos os Tribunais Centrais, tribunais de
apelação, cujos Juízes, mais velhos e experientes, corrigiam como podiam os
erros e desmandos processuais da 1ª instância. Infelizmente isso está a acabar
porque a triste leva de Juízes nomeados em 2004 para a «grande reforma» dos
Tribunais Administrativos está agora, por artes que não entendo, 12 anos
depois, a chegar aos Tribunais Centrais e a produzir acórdãos de tão má
qualidade e tão indecentes como as sentenças que lavravam na 1ª instância. A
barbárie chegou aos tribunais de recurso e em breve chegará ao Supremo Tribunal
Administrativo.
Dizer
coisas em tese geral pode parecer meramente opinativo, não há nada como dar um
exemplo:
Em
muito recente acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN), de 15
de Julho de 2016, no Processo 00105/1, ficou decidido que «incumpre parcialmente o contrato de
atribuição de ajudas o beneficiário que procede à troca de veículo agrícola
cujo financiamento havia sido aprovado por um outro, não previsto na
candidatura assim cometendo uma infração contratual, legalmente cominada com a
alteração unilateral do contrato e a determinação da reposição do montante
correspondente.»
Do que é que se trata? Um pobre agricultor do Norte do País candidatou-se
a uma ajuda europeia a um projecto de investimento que passava pela limpeza e
melhoramento de um olival e a aquisição de um tractor.
Recebeu uma ajuda ao investimento de cerca de 20.000,00 €, dos quais
despendeu 18.455,52 € na aquisição de um tractor.
Alegou o prestador da ajuda, o IFAP, «que o projeto de investimento estava em
situação irregular, uma vez que o trator existente na exploração não
correspondia ao trator aprovado», tendo em consequência procedido a uma
rescisão parcial do contrato de ajudas, exigindo a reposição do valor da ajuda
à compra do tractor – 9.227 € - acrescidos de mais de 2000 euros de juros
moratórios.
O agricultor impugnou este acto perante o Tribunal Administrativo de
Mirandela alegando que esse tractor teve de ser substituído por outro mais potente,
por o primeiro não ser capaz de dar conta do recado, que adquiriu esse tractor
mais potente e que com ele concluiu o projecto de investimento, tendo aplicado
em tal projecto a totalidade das ajudas recebidas.
Para o Tribunal Administrativo de Mirandela os factos contaram pouco: nem
curou de saber se o tractor de substituição era mais potente – e caro – que o
tractor objecto da ajuda, nem de saber se o projecto tinha sido devidamente
executado e concluído. Ficou-se pela conclusão formal, e absurda, de que o
tractor subsidiado não constava da exploração agrícola, concluindo ter ocorrido
«incumprimento do contrato».
Debalde recorreu o agricultor para o TCAN: este excelso tribunal
recusou-se a proceder à reanálise da matéria de facto, com argumentos
especiosos que só o deslustram; e sobre a matéria de direito concluiu que tendo
ocorrido «incumprimento do contrato» ao IFAP não restava mais do que rescindir
parcialmente o contrato, sendo até uma obrigação vinculada à qual não poderia
escapar mesmo que quisesse.
Acrescenta, misteriosamente, que «a atuação administrativa aqui questionada
é uma atuação maioritariamente vinculada (desde logo, pelo direito europeu)…».
Lendo na íntegra o acórdão não se vê a que disposição do direito europeu se
refere o acórdão.
Em suma, o Tribunal Administrativo de recurso denega ao pobre agricultor
qualquer respaldo da Justiça, numa situação em que os factos são que a ajuda
recebida foi integralmente gasta no projecto aprovado, que foi executado e
concluído e que o referido tractor foi substituído por outro mais potente e
mais caro e mais capaz para o serviço a realizar.
Não sei, porque o Acórdão não o refere, quando começou este caso, mas
deverá ter começado em 2009, data do acto administrativo impugnado. Decorreram
sete anos para obter esta vergonha.
Aos juristas que me lerem peço que reflictam sobre a fundamentação jurídica
do Acórdão em questão e concluam se «aquilo» é digno de um Tribunal Superior.
É por estas e por outras que cada vez mais sou adepto de por fim à triste
experiência dos tribunais administrativos, cuja legislação e regulamentação
supervisionei enquanto Secretário de Estado da Justiça.
Para ter isto, mais vale a pena só ter Tribunais Cíveis e Supremo Tribunal
de Justiça. Já chega!